Quero convidar você para se juntar a mim numa nova jornada de reflexões e aprendizagens sobre conceitos e melhores práticas de Integridade Organizacional, começando por um dos seus pilares: a Coerência entre Prática e Discurso.
Esta nova série de textos é o resultado do trabalho que se iniciou em junho de 2021, quando criamos o Círculo de Integridade Organizacional, unindo as equipes Alonso Pistun Advocacia, RG Cultura Organizacional & Propósito, entre tantas outras colaboradoras em torno do propósito por organizações com coerência entre prática e discurso, zelando pela conformidade legal e transparência junto aos stakeholders. Esses três pilares (Coerência, Conformidade e Transparência) serão os temas-chave dessa nossa jornada de aprendizagem.
Assumo aqui o compromisso de buscar ser o mais pragmático possível, apresentando sempre um ponto focal de reflexão, uma referência do cenário atual (respeitando, é claro, as informações das organizações tomadas como exemplos) e alguns aprendizados que podem ser colocados em prática por você nas organizações em que atua.
Então, vamos começar…
O discurso tá lindo! Que tal pôr em prática?
Há alguns dias, estava mediando um encontro virtual sobre Comunicação Assertiva e Liderança pelo Exemplo quando fiz referência ao conceito de coerência entre prática e discurso, foi quando uma das participantes educadamente me corrigiu dizendo que a expressão correta era “coerência entre discurso e a prática”. Você, assim como aquela participante, pode ter pensado no mesmo ditado popular: “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”; uma clara provocação de que vale muito mais a prática do que o discurso.
Quando pensamos no conceito do exemplo, faz todo sentido dizer que a prática ensina muito mais que o discurso; entretanto, experimente refletir comigo por uma outra perspectiva: quando o discurso estabelece objetivos que ainda não foram alcançados pela prática será que devemos abandonar o discurso ou rever a estrutura que dá suporte à prática?
A verdade é que hoje em dia o discurso tá lindo na maioria das organizações, muito mais do que as práticas de fato. Quadros nas paredes exibem propósitos, valores, visões e missões dignas do investimento em marketing feito. Mas alguns desses discursos não são, de fato, meros conteúdos de propaganda.
Uma grande parte das organizações se esforça para respeitar as leis vigentes (Conformidade Legal) e inserem seus princípios em Diretrizes e Políticas de gestão (sim, ainda discurso); outras buscam alinhar seus planejamentos estratégicos com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável promovidos pela Organização das Nações Unidas (sim, ainda discurso também); e há aquelas que tentam orientar todo o modelo do seu negócio de maneira a impactar positivamente o mundo em aspectos ambientais, sociais e de governança (ASG ou ESG, na sigla em inglês… e discurso, eu sei). O desafio para todas estas organizações está, portanto, em promover maior coerência entre prática e discurso.
Este é um convite que faço a você: olhar de maneira crítica tanto a prática quanto o discurso a fim de escolher aquilo que verdadeiramente promova a evolução positiva da organização e da sociedade em que ela está inserida. Afinal esta sociedade precisa, e muito, dessa coerência.
Sociedade do cansaço ou das contradições
Convidar você para este diálogo sobre coerência entre prática e discurso nas organizações envolve levantar a necessária reflexão sobre o estado atual de nossa sociedade atual, classificada por Byung-Chul Han como a Sociedade do Cansaço em seu livro homônimo; enquanto prefiro chamá-la de Sociedade das Contradições.
Quando penso na oposição à coerência o que surge em minha mente é a palavra contradição. A expressão significa o que se opõe ao que foi dito ou feito anteriormente; afirmação ou comportamento que expressa incoerência, em relação ao que foi feito ou dito anteriormente. E aí, você já conseguiu pensar em algumas contradições?
No momento estamos lidando, a equipe de Integridade Organizacional e eu, com uma contradição de alta complexidade, numa organização de tecnologia. Para além dos ideais já comuns para uma startup, que é o perfil do negócio, todo seu discurso é voltado para o incentivo à inovação, à força da colaboração e coletividade, além da orientação para desafios e superação individual. Quem lê as descrições das vagas de trabalho (discurso) fica entre a imensa vontade de se candidatar e o frio na barriga de não ter maturidade para tanta autonomia. Porém a prática para quem já está lá dentro é, digamos, um bom exemplo de contradição.
Num encontro de diálogo com colaboradores, desenhado para identificar tensões criativasdo grupo, surgiu a expressão boredout, palavra inglesa que nomeia a “Síndrome do Tédio”; um distúrbio que se refere ao estado de apatia e desinteresse que tira o entusiasmo e o prazer em atividades cotidianas e, no ambiente organizacional, na execução das tarefas. Se você pensou na Síndrome de Burnout, pense de novo, só que na direção contrária (veja só a contradição).
A história contada pelo colaborador começou com um processo seletivo extremamente desafiante, incluindo entrevistas em inglês e respostas a simulações de problemas ligados ao trabalho, passando por um processo de integração (onboarding, se preferir o termo da moda) bastante intenso com passagens por todas as áreas da organização e o preenchimento de um “Plano de Carreira” (desenhado para o recém contratado mostrar seu potencial e “nível de ambição”). Depois dessas duas etapas bem discursadas com base nas potenciais perspectivas de futuro, desafios instigantes diários, colaboração ao estilo “portas abertas”e projeção de crescimento vertical, a prática do dia-a-dia demonstrou toda sua contradição. Este mesmo profissional estava restrito ao desenvolvimento de uma única parte de um único produto, sem possibilidade de interação direta com quaisquer outras áreas, a não ser por meio de seu gestor, e ficou claro, depois dos primeiros seis meses que não havia nenhum Plano de Carreira desenhado pela empresa.
Histórias como essa vêm se multiplicando nos ambientes organizacionais onde o discursopromete algo que na prática não acontece, seja por falta de um modelo de gestão mais evolutivo ou uma estrutura mais dinâmica. Aqui convido você a voltar à primeira reflexão: simplesmente mudamos o discurso ou talvez possamos aperfeiçoar nossas práticas?
As contradições que existem hoje geram tanto a estafa (Síndrome de Burnout) quanto o tédio (Síndrome de Boredout) e o caminho para tornar os ambientes organizacionais mais íntegros passa pela busca consciente e intencional por mais coerência entre prática e discurso.
Primeiro Passo: Alinhe o Propósito!
Como havia prometido, chegamos à terceira e última etapa desse nosso breve diálogo de reflexão, momento de você e eu conversarmos sobre melhores práticas; afinal, não podemos ficar apenas no discurso desse texto aqui, certo?
Bem, quem sabe depois de toda essa reflexão sobre práticas e discursos, você deve estar se perguntando: Por onde começar? Pela prática ou pelo discurso? Minha sugestão é simples e direta: Comece alinhando o propósito!
A dica para esse primeiro passo é explorar a ideia de Tensão Criativa, proposta inicialmente por Robert Fritz com o nome de Tensão Estrutural e depois adaptada por Peter Senge como Tensão Criativa; porém, compartilho aqui o conceito proposto por Friz:
“A diferença ou discrepância entre o que você tem (realidade atual) e o resultado que você quer (visão) cria uma tensão estrutural.”
A partir da investigação, acolhimento e tratamento dessas tensões é possível compreender ocenário real/atual, o cenário ideal/projetado e a discrepância entre eles, tomando consciência de como as pessoas agem e se movem, de maneira orgânica, para atingir aquilo que se busca como ideal.
A relação entre todas essas variáveis fornecerão os elementos para descobrir (não criar ou inventar) o propósito da organização e, a partir dele validar os discursos e (re)alinhar práticas.
Acredito que este seja um bom (GIGANTE, DESAFIANTE e IMPORTANTE) primeiro passo para você e suas novas práticas.
Por hoje nosso diálogo termina aqui. Mas se você quiser esclarecer algum ponto sobre o tema da reflexão deste texto pode deixar sua pergunta aqui nos comentários ou me enviar uma mensagem direta, tanto pelo LinkedIn quanto pelo WhatsApp.
O próximo tema será Conformidade Legal, explorando a ideia de “obrigação x justiça”. Sim, mais polêmica vem por aí.
Até lá!
Texto publicado originalmente em 24/01/2022 no perfil do autor no LinkedIn ( https://www.linkedin.com/in/rgiulianos )