Depois de compartilhar algumas reflexões sobre Coerência entre Prática e Discurso, quero convidar você a rever comigo o paradigma da Conformidade Legal, segundo pilar do trabalho realizado pelo coletivo de Integridade Organizacionalque reúne a Alonso Pistun Advocacia, a RG Cultura Organizacional & Propósito, além de outras profissionais incríveis.
Talvez você ainda relacione o conceito de conformidade com a ideia de obediência, aceitação ou mesmo de conformismo; acredite, eu mesmo já pensei dessa maneira por algum tempo; e para algumas situações essas ideias fazem todo sentido. Entretanto, existe também uma outra perspectiva, a da concordância com algo que esteja em ou de acordocom aquilo em que se acredita ou se perceba valor; ou ainda uma relação de correspondência, identidade ou compatibilidade na forma de realizar uma determinada ação e alcançar resultados desejados.
Gosto sempre de lembrar a etimologia da palavra, o sentido de com+forma, de algo que possui ou segue uma forma para se manter conectado a um princípio acordado por um dado grupo. Por isso, talvez o primeiro desafio seja quebrar o paradigma da conformidade com a mera ideia de obrigação. Que tal você e eu começarmos por aí?
Conformidade versus Obrigação
Quando consideramos a conformidade como sendo um alinhamento a uma determinada forma, seja ela legal (foco do nosso diálogo) ou social (desdobramento importante dessa reflexão), assumimos uma espécie de acordo, idealmente por reconhecermos seu valor ou os riscos de perdas ao agir em desacordo com a forma.
Por outro lado, a ideia da obrigação incita um cumprimento sem concordância, o que estimula a constante busca por brechas ou subterfúgios para o não cumprimento, gerando não apenas riscos de ordem jurídica como também potenciais perdas sociais; algo que se vê no impacto que casos de corrupção causaram na vida de pessoas comuns, seja pela perda dos empregos ou dos seus direitos sociais.
Na prática, atuar em conformidade, seja com as leis ou com os princípios sociais, constitui uma escolha por fazer parte de algo maior, coletivo ou compartilhado por mais pessoas e organizações, de maneira consciente e ativa. E reforço que isso nada tem a ver com a ideia de se “aceitar cegamente” quaisquer regras, pois quando escolhemos fazer parte de algo também assumimos o compromisso de contribuir para o aperfeiçoamento dos acordos e a evolução de todo o sistema, dentro e fora das organizações. Vamos explorar este outro ponto a seguir.
Integridade, Compliance e Governança
Ao propor reflexões e práticas de integridade para organizações nos deparamos com o conceito e iniciativas de Compliance; porém, ainda precisamos ir além da mera ideia de se “cumprir regras” e pensar nessas práticas como forma de tornarmos as organizações e negócios mais íntegros.
O Compliance surgiu nos Estados Unidos da América perto da virada do século XX, junto com o surgimento das agências reguladoras. No Brasil sua história começa em junho 2009 com a publicação de “A Responsabilidade Social das Empresas no Combate à Corrupção”, o primeiro guia brasileiro a orientar ações para construção de ambientes mais íntegros e de combate à corrupção, lançado pela Controladoria Geral da União (CGU) e Instituto Ethos.
Há hoje diversas leis que amparam ou orientam iniciativas de Compliance nas organizações, especialmente a Lei Anticorrupção publicada em 2013 (Lei 12.846/13) que tornou toda pessoa jurídica envolvida em responsável, de maneira administrativa e civil, pela prática de atos de corrupção, independente do modelo de negócio ou societário. Além desta, foi publicado Decreto 8.420-15 que regulamentou a Lei no 12.846, de 1o de agosto de 2013, depois o Decreto 9.203/17 que estabelece a política de governança da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, e ainda a Lei 13.848/19 que aborda a gestão, organização, processo decisório e o controle social das agências reguladoras.
Houve ainda o movimento realizado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) que em 2018 lançou a Portaria 283, aprovando a Política de Governança, Gestão de Integridade, Riscos e Controles da Gestão no âmbito do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade – instrumento de referência para outras instituições públicas e privadas.
O que surgiu como critérios legais e diretrizes para contratos juridicamente mais seguros logo se tornou uma espécie de base dos princípios para modelos de gestão muito mais íntegros, trazendo um olhar sistêmico sobre toda a organização e suas diversas relações com colaboradores, clientes, acionistas, parceiros, fornecedores, governos e toda sociedade.
O Compliance se materializa na forma de programas que incluem iniciativas como a elaboração de Códigos de Ética, Políticas e Diretrizes para procedimentos e controles internos mais transparentes, capacitação de colaboradores e comunicação (canais de diálogo e denúncia) com todas as partes envolvidas nos negócios, além da diligência em organizações parceiras. Essas ações já produzem mudanças significativas na conformidadedas organizações; e merece um artigo sobre cada um desses pontos-chave.
A lição que fica, sobre o que já pude observar em organizações que atuam com Compliance, é que muito mais das auditorias ou mapas de riscos essas iniciativas tratam de elaborar ações preventivas, que aperfeiçoam tanto o sistema de governança corporativa quanto a maneira de fazer negócios e gerar resultados sustentáveis.
E talvez você possa estar se perguntando: “Ok, e a governança corporativa no meio disso tudo?” Bem, Compliance e Governança têm mais que similaridades, são iniciativas conectadas.
Enquanto o Compliance atua sobre a conformidade da organização em relação às leis e acordos, a Governança trata das relações entre a organização e seus diversos stakeholders, estabelecendo práticas transparentes e sustentáveis para atingir os objetivos e resultados almejados. Sem um programa de Compliance bem estruturado a Governança pode se perder. Organizações íntegras agem com estratégia e foco em resultados sustentáveis (governança), sempre alinhada e respeitando as leis e acordos vigentes (compliance).
Integridade como Estratégia
Vivemos um momento em que a integridade, dentro e fora das organizações, se tornou uma estratégia para sustentabilidade tanto de negócios quanto das relações sociais que nos unem.
A conformidade precisa ser encarada como algo que vai para muito além do “cumprimento de leis e regras” para assumir o papel de alinhamento de compromissos com colaboradores, clientes, acionistas, parceiros, fornecedores, governos e a sociedade.
Quero lembrar a você algo que escrevi no livro que publiquei em 2015:
“Todo sentido de obrigação obscurece o valor de uma atitude!”
O convite que faço a você é que possamos valorizar a atitude de atuar em conformidade com os acordos, tanto aqueles estabelecidos pela lei quanto em sociedade, contribuindo de maneira efetiva para a evolução de nossas diversas organizações humanas, inclusive para a matriz chamada “Planeta Terra”.
“Texto publicado originalmente em 21/02/2022 no perfil do autor no LinkedIn (https://www.linkedin.com/in/rgiulianos )